Artigo -

Você já parou para pensar no que estamos perdendo ao jogar fora parte dos alimentos? No atual cenário econômico, com alta de preço dos alimentos e poder de compra reduzido, a solução é apostar na utilização integral dos alimentos e de todas as suas partes, como cascas, folhas, sementes e talos, que, apesar de ricos em nutrientes, são geralmente desprezados. Além de ajudar a economizar, essa estratégia é capaz de aumentar a densidade nutritiva das preparações alimentares, auxiliar no combate à fome e reduzir a quantidade de lixo produzido.

E o aproveitamento integral dos alimentos não é um conceito que deve ser praticado somente em momentos de alta dos preços, mas sim no dia a dia de qualquer pessoa, em qualquer faixa de renda, pois traz excelentes nutrientes para o organismo. Essas partes desprezadas dos alimentos contam com muitas fibras, antioxidantes e micronutrientes que estão relacionados com a boa saúde metabólica, prevenindo diversas doenças, inclusive o câncer.

Jogar fora sementes, cascas e talos é um hábito cultural dos brasileiros. Modismos ou má informação também contribuem para que as pessoas desperdicem parte dos alimentos por acreditarem que são gordurosas ou não fazem bem. Um exemplo é a gema do ovo, que é descartada principalmente por praticantes de atividade física que consomem somente a clara por ser rica em albumina, proteína com alto valor biológico e baixa caloria. Mas todos os outros nutrientes dos ovos estão nas gemas, como metade das proteínas, vitaminas, minerais, ácidos graxos e carotenoides. A composição total do ovo, com gema e clara, também tem melhor digestibilidade. Além disso, não é fato que a gema é responsável pelo aumento do colesterol, funcionando, na verdade, quase como um antídoto, pois conta com uma substância chamada lecitina que interfere na absorção do colesterol.

Além da gema, outras partes de alimentos que podem ser aproveitadas incluem:

– Talos de couve, agrião, beterraba, brócolis, salsa e outras hortaliças, que são tão nutritivos ou mais do que as folhas, por serem ricos em fibras, minerais, vitaminas e antioxidantes como os polifenóis. Em comparação à folha, o talo das couves, por exemplo, tem três vezes mais Vitamina C. O talo do agrião, por sua vez, também contém ferro, cálcio e vitamina C. Os talos podem ser ingeridos refogados, na sopa, no feijão e até em patês.

– Folhas de cenoura, que são ricas em ferro, magnésio, ferro, zinco, vitamina K, vitamina C e antioxidantes e podem ser aproveitadas em salada, refogadas, em sopas e até outras preparações, colaborando para a saúde cardiovascular e evitando inflamações e problemas neurodegenerativos.

– Água de cozimento de alimentos como batatas, beterraba e cenoura, pois concentra vitaminas hidrossolúveis que podem enriquecer purês, arroz e gelatinas. No caso dos tubérculos, a água do cozimento conta com amido resistente, um tipo de carboidrato altamente benéfico que resiste a ação das enzimas digestivas, retardando o esvaziamento gástrico e aumentando a sensação de saciedade, além de ter ação prebiótica, alimentando as bactérias do bem do nosso intestino.

– Cascas também podem ser aproveitadas. As cascas de batata e mandioquinha podem ser assadas em forno e servidas como aperitivo. Uma batata cozida com casca pode conter até 175% a mais de vitamina C, 115% a mais de potássio, 111% a mais de folato e 110% a mais de magnésio e fósforo do que uma descascada. A casca de mandioquinha, por sua vez, contém fibras em abundância.

Já as cascas de frutas contam com fibras que melhoram o trânsito intestinal, inclusive aquelas que costumamos desperdiçar como abacaxi, banana, laranja, limão e manga. A casca do abacaxi pode ser usada para fazer sucos e as cascas da banana, laranja e limão são ótimas para bolos. Já a casca da manga contém vitaminas A e C, que melhoram a saúde da pele e fortalecem o sistema imunológico, podendo ser usada, por exemplo, para a preparação de um creme de casca de manga.

– Entrecascas também são muito versáteis. Essa parte branca entre a casca e o “recheio” de frutas como melancia, melão e maracujá é rica em fibras e potássio e pode ser usada no preparo de doces e até recheios salgados, como preparação de massas e arroz.

– Sementes das frutas fazem um bem inimaginável. A semente de uva, por exemplo, conta com resveratrol, vitamina C e E, flavonoides e proantocianidinas, que são poderosos antioxidantes, além de fibras e substâncias protetoras como magnésio, zinco e cálcio. As sementes de maracujá, por sua vez, são ricas em compostos polifenólicos, que protegem as células de danos causados por radicais livres.

As sementes de mamão também são muito nutritivas, pois possuem papaína e carpaína, substâncias que combatem parasitas e têm ação antibacteriana e anti-inflamatória, além de funcionarem como detoxificante, inclusive melhorando o funcionamento do intestino e ajudando a tratar casos de constipação. Já a semente de melão é rica em proteína vegetal, gorduras boas, fibras, magnésio e ômega-3, composição altamente benéfica para proteger a saúde do coração e ajudar no ganho de massa magra.

As sementes de melão podem ser consumidas cruas, tostadas e temperadas como aperitivo, mas também podem ser transformadas em leite, já que são ricas em cálcio. Esqueça também aquela ideia de comer melancia e ‘expelir’ as sementes, pois são ricas em proteínas, vitaminas, ácidos graxos, magnésio, zinco, cobre, potássio, ômega 3 e ômega 6, componentes que ajudam na regulação do metabolismo e na redução dos níveis de açúcar no sangue.

– Pé e pescoço de galinha podem ser usados em caldos e sopas, pois têm boa concentração de nutrientes, incluindo colágeno, proteínas, glucosamina e condroitina. Suas proteínas são compostas prioritariamente de tecidos conjuntivos feitos de colágeno, ossos, pele, cartilagens e tendões, portanto o consumo dessa parte do frango tem benefícios muito particulares.

– Cabeça de peixe pode ser usada para fazer pirão, que é preparado a partir do caldo do cozimento do peixe com adição de temperos e, por fim, farinha de mandioca. O caldo de peixe fornece boas gorduras, vitaminas e minerais, excelente para o bom funcionamento do cérebro.

Além do aproveitamento integral dos alimentos, outras dicas para economizar nesse momento de alta nos preços dos alimentos sem deixar a saúde de lado é prestar atenção na hora de fazer a compra. Os vegetais e frutas podem ser comprados com preços mais acessíveis nos mercados e sacolões, sempre optando pelas variedades da época e por aquelas que estão em oferta.

Com relação às carnes, para continuar consumindo sem gastar muito, além de escolher cortes bovinos mais baratos, opte por carnes de frango, suína e até mesmo de peixe como a tilápia e a sardinha. E não há necessidade de consumir carnes em todas as refeições. Bons substitutos para as carnes são os ovos, os queijos magros e as proteínas vegetais. Já os laticínios têm grandes variações entre as marcas e podem ser encontrados com preço mais acessível apenas com a troca de marca do produto. Mas cuidado com os produtos industrializados ultraprocessados, que, apesar do preço aparentemente acessível, podem causar malefícios à saúde. Por fim, para matar a sede, a melhor e mais barata opção é sempre tomar água natural!

FONTE: DRA. MARCELLA GARCEZ – Médica Nutróloga, Mestre em Ciências da Saúde pela Escola de Medicina da PUCPR, Diretora da Associação Brasileira de Nutrologia e Docente do Curso Nacional de Nutrologia da ABRAN. A médica é Membro da Câmara Técnica de Nutrologia do CRMPR, Coordenadora da Liga Acadêmica de Nutrologia do Paraná e Pesquisadora em Suplementos Alimentares no Serviço de Nutrologia do Hospital do Servidor Público de São Paulo. Além disso, é membro da Sociedade Brasileira de Medicina Estética e da Sociedade Brasileira para o Estudo do Envelhecimento. Instagram: @dra.marcellagarcez