Uma nova análise da Comissão Lancet aponta que 60% dos casos de câncer de fígado podem ser prevenidos com o controle de fatores de risco como hepatites B e C, consumo de álcool e MASLD (doença hepática ligada à disfunção metabólica).
Este conjunto de comissões especializadas estabelecidas pela revista médica The Lancet tem o objetivo de analisar e fornecer recomendações sobre diversos temas de saúde global.
“Assim, a Comissão destaca diversas maneiras de reduzir esses fatores de risco. Desse modo, incluindo o aumento da cobertura da vacina contra hepatite B e políticas de saúde pública voltadas para a obesidade e o consumo de álcool”, explica o Dr. Ramon Andrade de Mello, médico oncologista do Centro Médico Paulista High Clinic Brazil (São Paulo), vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cancerologia.
“As recomendações precisam ser seguidas pelos governos. Porém, também é necessário aumentar a conscientização das pessoas sobre os riscos da obesidade, do consumo de álcool e de não tomar vacinas”, acrescenta o médico.
O câncer de fígado já é uma das principais causas de morte e invalidez.
“Globalmente, é o sexto tipo de câncer mais comum e a terceira principal causa de morte por câncer. Ou seja, mais de 40% dos casos globais de câncer de fígado ocorrem na China, principalmente devido às taxas relativamente altas de infecções por hepatite B no país”, explica o médico.
O oncologista analisa que é necessário frear a esteatose hepática associada à disfunção metabólica (MASH), uma forma grave de MASLD. Ela é, hoje, a causa de câncer de fígado que mais cresce no mundo, seguida pelo álcool. Então, a Comissão projeta que a proporção de casos de câncer de fígado associados à MASH deverá aumentar de 8% em 2022 para 11% em 2050, e os casos de câncer de fígado associados ao álcool deverão aumentar de 19% em 2022 para 21% em 2050.
“Antigamente, acreditava-se que o câncer de fígado ocorria principalmente em pacientes com hepatite viral ou doença hepática relacionada ao álcool. No entanto, hoje, as crescentes taxas de obesidade são um fator de risco crescente para o câncer de fígado, principalmente devido ao aumento de casos de excesso de gordura ao redor do fígado”, diz o oncologista.
Dr. Ramon destaca que uma abordagem para identificar pacientes com alto risco de câncer de fígado seria introduzir o rastreamento de danos hepáticos na prática de saúde de rotina para pacientes com alto risco de MASLD. Nesse sentido, como indivíduos que vivem com obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares.
“Os profissionais de saúde também devem integrar o aconselhamento sobre estilo de vida aos cuidados de rotina para apoiar os pacientes na transição para uma dieta saudável e atividade física regular. Além disso, os formuladores de políticas devem promover ambientes alimentares saudáveis por meio de políticas como impostos sobre o açúcar e rotulagem clara de produtos com alto teor de gordura, sal e/ou açúcar”, destaca o oncologista.
Metas e recomendações globais
A Comissão estima que se os países conseguirem reduzir a incidência de casos de câncer de fígado em 2 a 5% ao ano até 2050. Assim, poderá prevenir de nove a 17 milhões de novos casos de câncer de fígado e salvar de oito a 15 milhões de vidas. Então, a Comissão sugere várias estratégias para reduzir a carga global do câncer de fígado, incluindo:
Os governos devem intensificar os esforços para aumentar a vacinação contra o vírus da hepatite B. Bem como a obrigatoriedade da vacinação em países de alta prevalência e implementar a triagem universal do vírus para adultos com 18 anos ou mais. Então, juntamente com a triagem direcionada do vírus em áreas de alto risco com base na relação custo-benefício.
Os formuladores de políticas devem promulgar preços mínimos unitários para bebidas alcoólicas, rótulos de advertência e restrições de publicidade para bebidas alcoólicas.
As autoridades nacionais de saúde e os programas de controle do câncer devem priorizar investimentos em campanhas de conscientização pública e implantação de recursos de detecção precoce.
Organizações profissionais e a indústria farmacêutica devem trabalhar juntas para reduzir as diferenças entre as regiões oriental e ocidental do mundo no tratamento clínico do câncer de fígado.
Hospitais e organizações profissionais devem fornecer treinamento em cuidados paliativos, com o objetivo de integrar os cuidados paliativos nas fases iniciais para pacientes necessitados.
O médico também afirma que há uma necessidade urgente de conscientizar a sociedade sobre a gravidade do crescente problema de saúde causado pelo aumento dos casos de câncer de fígado.
“Comparado a outros tipos de câncer, o câncer de fígado é muito difícil de tratar, mas apresenta fatores de risco mais distintos, que ajudam a definir estratégias específicas de prevenção. Com esforços conjuntos e contínuos, acreditamos que muitos casos de câncer de fígado podem ser prevenidos e que tanto a sobrevida quanto a qualidade de vida dos pacientes com câncer de fígado serão consideravelmente melhoradas”, explica o oncologista.
Como recomendação individual, para cada um tentar se afastar do risco do câncer, o médico oncologista sugere mudança de hábitos. Dentre elas:
Reduza o excesso de peso corporal de forma gradual e sustentável
“O acúmulo de gordura visceral, especialmente no fígado, é um dos principais fatores de risco para a progressão da MASLD para MASH (forma inflamatória da doença). A perda de 7% a 10% do peso corporal já promove redução significativa da gordura hepática, da inflamação e da fibrose”, explica.
Aumente o consumo de fibras alimentares
“As fibras melhoram o controle glicêmico, reduzem a resistência à insulina e modulam o metabolismo lipídico, reduzindo a esteatose hepática. As fontes são: vegetais, frutas com casca, grãos integrais (aveia, quinoa, arroz integral), leguminosas (feijão, lentilha, grão-de-bico).”
Evite alimentos ultraprocessados, ricos em açúcar, gorduras saturadas e sódio
Itens como refrigerantes, fast food, biscoitos recheados e embutidos estão associados ao aumento de gordura no fígado, obesidade e inflamação sistêmica. “Substitua por alimentos in natura ou minimamente processados”, comenta o Dr. Ramon.
Modere o consumo de álcool (ou evite, se possível)
O álcool é um agente hepatotóxico independente, mas seu efeito é potencializado quando combinado com obesidade ou MASLD. “Mesmo pequenas quantidades podem ser prejudiciais para quem já tem alterações hepáticas”, comenta.
Inclua fontes de gorduras boas na dieta
“Abacate, azeite de oliva extra virgem, castanhas e sementes são aliados na redução da inflamação hepática, pois são gorduras que não são saturadas e, juntamente com peixes ricos em ômega-3 (salmão, sardinha, atum), ajudam a melhorar o perfil lipídico e a reduzir a gordura no fígado”, explica.
Mantenha uma rotina alimentar com baixo índice glicêmico
“Evite picos de glicemia, que agravam a resistência à insulina, contribuindo para a esteatose hepática. Priorize carboidratos complexos e inteiros, como arroz integral, batata-doce, legumes e vegetais”, diz o médico.
Pratique atividade física regular
O exercício físico aumenta a sensibilidade à insulina e contribui para a redução da gordura hepática mesmo sem perda de peso expressiva. “Tanto exercícios aeróbicos quanto os exercícios de força devem fazer parte da rotina. Recomenda-se pelo menos 150 minutos por semana de atividade física moderada.”
Faça exames de rotina
Peça uma avaliação da saúde hepática se você tiver obesidade, diabetes ou dislipidemia. “O rastreio precoce de alterações hepáticas permite intervenção antes da progressão para cirrose ou câncer”, diz o oncologista.
Consuma probióticos e alimentos fermentados (quando indicados)
O eixo intestino-fígado pode influenciar na inflamação hepática. “Iogurtes naturais, kefir e kombucha podem ajudar, mas devem ser escolhidos sem adição de açúcar”, recomenda.
Hidrate-se adequadamente e evite bebidas adoçadas
A ingestão de água é essencial para o metabolismo hepático. “Evite sucos industrializados e bebidas açucaradas, pois elas contem frutose concentrada e sem fibras. Diferentemente da frutose das frutas, a dessas bebidas sobrecarregam o fígado”, finaliza.
Fonte: *Dr. Ramon Andrade de Mello: Médico oncologista do Centro Médico Paulista High Clinic Brazil (São Paulo), vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cancerologia, Pós-Doutor clínico no Royal Marsden NHS Foundation Trust (Inglaterra), pesquisador honorário da Universidade de Oxford (Inglaterra), pesquisador sênior do CNPQ (Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico), Brasil, vice-líder do programa de Mestrado em Oncologia da Universidade de Buckingham (Inglaterra), Doutor (PhD) em Oncologia Molecular pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (Portugal). Tem MBA em gestão de clínicas, hospitais e indústrias da saúde pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), São Paulo.
É pesquisador e professor do Doutorado da Universidade Nove de Julho (UNINOVE), de São Paulo. Membro do Conselho Consultivo da European School of Oncology (ESO). O oncologista tem mais de 122 artigos científicos publicados, é editor de 4 livros de Oncologia, entre eles o Medical Oncology Compendium, Elsevier, de 2024. É membro do corpo clínico do Hospital Israelita Albert Einstein, Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, e do Centro de Diagnóstico da Unimed, em Bauru, SP. Instagram: @dr.ramondemello